quarta-feira, 10 de abril de 2013

“Os nossos animais: membros da família, de quatro patas”


Um cão reflete a vida familiar. Quem é que já viu um cão brincalhão numa família taciturna, ou um cão triste numa feliz?” Arthur Conan Doyle


Ele reconhecia que eu estava triste, só pela forma como eu me aproximava dele, e isso incomodava-o. Suspirava, e olhava para mim com ternura, contrariamente aos momentos em que eu me aproximava dele feliz – nestas alturas ficava eufórico! Poderia estar a descrever uma interação com um companheiro, marido, pai, filho... Mas não, estou a descrever a minha relação com o Quicky, o meu já falecido cão.

Se eu escrevesse a história da minha vida, incluiria garantidamente os animais que tive, porque todos eles representaram algo para mim e ensinaram-me alguma coisa. Sempre senti que os animais exerciam uma função muito importante na minha família e na minha vida: na infância, eram companheiros dos momentos de brincadeiras e ensinaram-me a cuidar do outro; na adolescência, foram meus “confidentes” nas crises típicas desta fase, e a sua companhia numa caminhada era terapêutica; por algum motivo, quando me autonomizei, adotei uma gata, que exerce um grande papel na minha vida.

O artigo “Human-Animal Bonds II: The Role of Pets in Family” (em português, “Os Laços entre Humanos e Animais II: O papel dos animais de estimação nos sistemas familiares e na terapia familiar”), de Froma Walsh - online em http://universalhealing.vpweb.com/upload/Human-Anima%20Bonds%20II_%20Walsh.pdf - descreve os animais como elementos da família, que desempenham um papel no seio da mesma e em cada indivíduo. Segundo este artigo e os autores citados (Cain, Bateson, Cohen, entre outros) os animais de estimação desencadeiam um conjunto de interações que podem potenciar virtudes individuais e familiares, sugerindo até a inclusão dos animais em contexto de sessões em alguns casos específicos – algo em que Sigmund Freud foi pioneiro.

Passo a traduzir um excerto deste artigo: «Os jovens adultos, solteiros ou casais, frequentemente escolhem criar animais antes ou em vez de serem pais, ganhando assim habilidade para providenciar cuidados, afeto, colocar regras e limites e preocupar-se com outro ser vivo. Na meia idade, muitos pais cujos filhos estão a autonomizar-se viram-se para os seus animais de estimação, ou adquirem um novo, para preencher um vazio. Uma mãe, após os seus dois filhos mudarem-se, adquiriu dois cães. Quando os cães desenvolveram um laço forte entre si, tal como os filhos, os amigos elogiaram-na por educar tão bem os cães como os filhos.(...) Os animais de estimação são frequentemente a “cola” que mantém os elementos da família unidos e coesos (Cain, 1984). Eles melhoram a vida familiar promovendo maior interação e comunicação.

Quase metade das familias relataram que o seu animal de estimação recebe a maior parte do toque, olhar, palavras, sorrisos e gestos da família. É mais fácil focar a atenção e afeto num animal de estimação do que num esposo ou noutros membros da família. Num estudo sobre padrões de interação social no quotidiano dos casais, Allen (1995) descobriu que os casais com cães tinham um maior bem-estar, e aqueles com um maior vínculo e relação de confiança com os seus cães tinham uma relação mais duradoura. Curiosamente, falar com os cães para além do companheiro(a) está relacionado com uma maior satisfação com a vida, com a relação conjugal e uma melhor saúde física e emocional. (…) Na avaliação familiar, pode apurar-se muito acerca dos padrões relacionais questionando os elementos da família acerca dos seus companheiros animais. Apesar dos clientes poderem inicialmente ficar surpreendidos com o interesse do terapeuta, as pessoas que têm animais de estimação respondem com descrições da sua relação com aqueles. As suas histórias podem revelar informações importantes acerca da organização do sistema familiar, da relação de casal, da comunicação, dos processos de resolução de problemas, e das estratégias de coping com situações de stress. Detetar comportamentos de mau trato deliberado, ou vê-los ser negligenciados aquando de visitas, pode sugerir risco ou negligência não divulgada de membros da família, porque eles frequentemente coexistem. A crueldade das crianças para com os animais pode ser um indicador de outro mau trato existente na família, e é um fator de risco precoce de uma futura violência face outras pessoas.»

Sugiro a leitura do artigo, que pode abrir os olhos para a importância destes elementos da família, muitas vezes esquecidos na construção de um genograma/ história familiar.

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