“Um
cão reflete a vida familiar. Quem é que já viu um cão brincalhão
numa família taciturna, ou um cão triste numa feliz?” Arthur
Conan Doyle
Ele
reconhecia que eu estava triste, só pela forma como eu me aproximava
dele, e isso incomodava-o. Suspirava, e olhava para mim com ternura,
contrariamente aos momentos em que eu me aproximava dele feliz –
nestas alturas ficava eufórico! Poderia estar a descrever uma
interação com um companheiro, marido, pai, filho... Mas não, estou
a descrever a minha relação com o Quicky, o meu já falecido cão.
Se
eu escrevesse a história da minha vida, incluiria garantidamente os
animais que tive, porque todos eles representaram algo para mim e
ensinaram-me alguma coisa. Sempre senti que os animais exerciam uma
função muito importante na minha família e na minha vida: na
infância, eram companheiros dos momentos de brincadeiras e
ensinaram-me a cuidar do outro; na adolescência, foram meus
“confidentes” nas crises típicas desta fase, e a sua companhia
numa caminhada era terapêutica; por algum motivo, quando me
autonomizei, adotei uma gata, que exerce um grande papel na minha
vida.
O
artigo “Human-Animal
Bonds II: The Role of Pets in Family” (em português, “Os Laços
entre Humanos e Animais II: O papel dos animais de estimação nos
sistemas familiares e na terapia familiar”), de Froma
Walsh - online
em
http://universalhealing.vpweb.com/upload/Human-Anima%20Bonds%20II_%20Walsh.pdf
-
descreve
os animais como elementos da família, que desempenham um papel no
seio da mesma e em cada indivíduo. Segundo este artigo e os autores
citados (Cain, Bateson, Cohen, entre outros) os animais de estimação
desencadeiam um conjunto de interações que podem potenciar virtudes
individuais e familiares, sugerindo até a inclusão dos animais em
contexto de sessões em alguns casos específicos – algo em que
Sigmund Freud foi pioneiro.
Passo
a traduzir um excerto deste artigo: «Os jovens adultos, solteiros ou
casais, frequentemente escolhem criar animais antes ou em vez de
serem pais, ganhando assim habilidade para providenciar cuidados,
afeto, colocar regras e limites e preocupar-se com outro ser vivo. Na
meia idade, muitos pais cujos filhos estão a autonomizar-se viram-se
para os seus animais de estimação, ou adquirem um novo, para
preencher um vazio. Uma mãe, após os seus dois filhos mudarem-se,
adquiriu dois cães. Quando os cães desenvolveram um laço forte
entre si, tal como os filhos, os amigos elogiaram-na por educar tão
bem os cães como os filhos.(...) Os animais de estimação são
frequentemente a “cola” que mantém os elementos da família
unidos e coesos (Cain, 1984). Eles melhoram a vida familiar
promovendo maior interação e comunicação.
Quase
metade das familias relataram que o seu animal de estimação recebe
a maior parte do toque, olhar, palavras, sorrisos e gestos da
família. É mais fácil focar a atenção e afeto num animal de
estimação do que num esposo ou noutros membros da família. Num
estudo sobre padrões de interação social no quotidiano dos casais,
Allen (1995) descobriu que os casais com cães tinham um maior
bem-estar, e aqueles com um maior vínculo e relação de confiança
com os seus cães tinham uma relação mais duradoura.
Curiosamente, falar com os cães para além do companheiro(a) está
relacionado com uma maior satisfação com a vida, com a relação
conjugal e uma melhor saúde física e emocional. (…) Na avaliação
familiar, pode apurar-se muito acerca dos padrões relacionais
questionando os elementos da família acerca dos seus companheiros
animais. Apesar dos clientes poderem inicialmente ficar surpreendidos
com o interesse do terapeuta, as pessoas que têm animais de
estimação respondem com descrições da sua relação com aqueles.
As suas histórias podem revelar informações importantes acerca da
organização do sistema familiar, da relação de casal, da
comunicação, dos processos de resolução de problemas, e das
estratégias de coping
com
situações de stress. Detetar comportamentos de mau trato
deliberado, ou vê-los ser negligenciados aquando de visitas, pode
sugerir risco ou negligência não divulgada de membros da família,
porque eles frequentemente coexistem. A crueldade das crianças para
com os animais pode ser um indicador de outro mau trato existente na
família, e é um fator de risco precoce de uma futura violência
face outras pessoas.»
Sugiro
a leitura do artigo, que pode abrir os olhos para a importância
destes elementos da família, muitas vezes esquecidos na construção
de um genograma/ história familiar.
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