terça-feira, 23 de julho de 2013

A Sistémica e o Budismo – que semelhanças?!....


A uma primeira vista, juntando estes dois campos do saber, a primeira reação é afirmar que não existe qualquer relação ou pontos em comum, principalmente se insistirmos em manter uma visão mecanicista e redutora da Ciência, em que os campos do saber e do conhecimento se restringem ao observável, fatual e objetivo. No campo da experiência humana, sabemos agora em pleno século XXI, que esta visão em nada ajuda a uma compreensão holística da complexidade inerente ao funcionamento humano, em todas as vertentes que ele implica.

A Sistémica revolucionou o campo da Psicologia e afins, ao buscar conceitos da Física, da Antropologia, etc, na procura de uma explicação cada vez mais satisfatória daquilo que efetivamente é e poderá ser a experiência humana, a compreensão da realidade e a captação do mundo que nos rodeia. Ao se deixar influenciar por todas estas áreas, que de simples, nada possuem, aumenta naturalmente o nível de complexidade na exploração e compreensão dos fenómenos a que se propõe estudar.

Por outro lado, o Budismo; considerado erradamente por alguns, como a “religião das elites”, este campo filosófico vai muito mais além dos critérios que definem uma religião. O Budismo é sim, uma Filosofia de vida, de compreensão da mente e experiência humanas, considerado como a verdadeira “Ciência da Mente” (National Geographic, 2009). As raízes daquilo que viria a ser o Budismo remontam a 2500 a.C., na Índia, onde o primeiro passo para a construção desta Filosofia surgiu paralelamente ao nascimento de Sidharta Gautama, que viria a ser intitulado, 30 anos após seu nascimento, o “Buda”, ou o “iluminado”. Esta terminologia nada mais é, do que fruto das suas experiências, das suas vivências e das interpretações ele lhes viria a dar. A própria biografia de Sidharta daria uma bela interpretação sistémica daquilo que é a existência humana, os vários ciclos de vida pelos quais passamos, etc.

Para alcançar os objetivos propostos para esta reflexão, podemo-nos debruçar na exploração de dois conceitos centrais no Budismo e que apesar de não utilizados diretamente na sistémica, facilmente se perceberá a influência e importância que nela têm. O que nos importa aqui reter é mais o conteúdo do que propriamente a forma.

Os conceitos de Interdependência e Vacuidade facilmente cumprirão esse objetivo. Senão vejamos: estes dois conceitos remetem para dois aspetos da mesma coisa, são conceitos básicos filosóficos, específicos do Budismo, que remetem para a compreensão dos fenómenos, que pressupõem a não existência de uma essência sólida nos mesmos, uma vez que implicam uma interação entre os objetos para que possam se manifestar. No fundo, subentende-se que a forma como concebemos as coisas não é a forma real de como as coisas são, ou seja, cada fenómeno altera a sua condição conforme o contexto em que está inserido no momento. Aqui se encontra uma das primeiras associações claras: a noção de contexto, que poderá ser uma interpretação do conceito de interdependência. E não é a noção de contexto um dos pilares da sistémica?

A existência dos fenómenos é dependente da relação estabelecida entre os fatores que os compõem; ou seja, o todo influencia as partes e as partes influenciam o todo. Além de que todos os fenómenos existem em interdependência uns com os outros.

Esta reflexão sobre o conceito de Interdependência, Contexto, etc, poderá remeter para um dos termos introduzidos pelo percursor da sistémica, Gregory Bateson“o padrão que liga” - que é a meu ver, o conceito mais importante e mais abrangente dentro desta linha de pensamento. O “padrão que liga” surge da sua importante obra “Natureza e Espírito”, em que entre tantas outras coisas, Bateson reflete sobre a influência que todos os fenómenos têm na manifestação uns dos outros e no facto de ser impossível, um fenómeno existir independentemente do outro. No Budismo, uma das ideias centrais é esta mesma, o facto de todas as coisas estarem interligadas e interdependentes umas das outras; facto também defendido amplamente pela Física Quântica e que muito tem contribuído para uma compreensão dos fenómenos, quer físicos, quer psíquicos e até sociais. Ou seja, esta interdependência existe desde o mundo subatómico, ao mundo biológico a toda a manifestação cosmológica; os átomos influenciam-se, assim como os organismos, assim como os astros e vice-versa e estas interinfluências poderiam continuar a ser aqui descritas infinitamente.

Um outro conceito que surge associado aos anteriores, é o de Impermanência e que remete para a noção de que “nada é permanente, estático ou constante”; tudo o que existe está em constante mutação e transformação, logo, a estabilidade é algo utópico. Aqui podemos remeter para os conceitos sistémicos de entropia e negentropia, em que a busca de um funcionamento equilibrado é o objetivo de qualquer fenómeno; nesta busca, a mutação é constante e inacabada; esta noção pode ser facilmente aplicada ao campo na experiência humana e do autoconhecimento também.

Na exploração das Quatro Nobres Verdades do Budismo, podemos também encontrar alguns pontos em comum com a teoria sistémica e na interpretação que a mesma faz da Experiência Humana, senão vejamos:  

1.      Tudo é sofrimento;

2.      A causa do sofrimento;

3.      A cessação do sofrimento é possível;

4.      O caminho que leva à cessação do sofrimento.
 

Numa exploração superficial destas premissas, podemo-nos focar na reflexão do conceito de “sofrimento”, em que o Budismo nos diz que o mesmo é inerente à nossa condição humana, uma vez que ao interpretarmos a realidade, erradamente procuramos satisfação plena em fatores e elementos exteriores a nós próprios, logo, a felicidade nunca é encontrada na sua forma mais genuína. Na busca de uma explicação para a causa do sofrimento, surge o conceito de Ignorância, no sentido da ausência de conhecimento e de compreensão. Esta ignorância leva a uma interpretação errada da realidade e dos fenómenos que nos rodeiam, resultando no dito sofrimento; ou seja, o ser humano, não vivencia nada que não seja imediatamente interpretado, como positivo ou negativo. Esta interpretação é ainda mais evidente quando a realidade com que nos deparamos é vivida em função das experiência anteriores.

Esta interpretação da realidade é fruto de três filtros: as experiências vividas (Karma), as emoções e as tendências habituais, ou seja, uma certa predisposição para…Não remeterão estas afirmações para o conceito de realidade múltiplas, tão defendidas na sistémica e tão fundamentais na compreensão dos fenómenos experienciais? Não remeterá também para o conceito de Narrativas e da influência inegável destas na compreensão da Vida?

Como se pode constatar por esta reflexão, a ciência, como área do conhecimento que tenta compreender os fenómenos, sejam eles quais forem, em muito tem a ganhar ao abrir seus horizontes a outros campos do Saber, designadamente ao campo da espiritualidade e filosofias Orientais.

O Oriente já há milénios que coloca as mesmas questões que a Ciência Moderna, no Ocidente tem feito nos últimos dois séculos…não teremos a ganhar em procurar dentro destas tradições algumas das respostas que julgamos não existirem? O conhecimento objetivo é uma falácia dentro das áreas que se debruçam do Ser Humano…não estará na altura de mudança de paradigma?

  

Por Eneida Cardoso

Junho, 2013

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