A uma primeira vista, juntando estes
dois campos do saber, a primeira reação é afirmar que não existe qualquer
relação ou pontos em comum, principalmente se insistirmos em manter uma visão
mecanicista e redutora da Ciência, em que os campos do saber e do conhecimento
se restringem ao observável, fatual e objetivo. No campo da experiência humana,
sabemos agora em pleno século XXI, que esta visão em nada ajuda a uma
compreensão holística da complexidade inerente ao funcionamento humano, em
todas as vertentes que ele implica.
A Sistémica revolucionou o campo
da Psicologia e afins, ao buscar conceitos da Física, da Antropologia, etc, na
procura de uma explicação cada vez mais satisfatória daquilo que efetivamente é
e poderá ser a experiência humana, a compreensão da realidade e a captação do
mundo que nos rodeia. Ao se deixar influenciar por todas estas áreas, que de
simples, nada possuem, aumenta naturalmente o nível de complexidade na
exploração e compreensão dos fenómenos a que se propõe estudar.
Por outro lado, o Budismo;
considerado erradamente por alguns, como a “religião das elites”, este campo
filosófico vai muito mais além dos critérios que definem uma religião. O
Budismo é sim, uma Filosofia de vida, de compreensão da mente e experiência
humanas, considerado como a verdadeira “Ciência da Mente” (National Geographic,
2009). As raízes daquilo que viria a ser o Budismo remontam a 2500 a.C., na
Índia, onde o primeiro passo para a construção desta Filosofia surgiu
paralelamente ao nascimento de Sidharta
Gautama, que viria a ser intitulado, 30 anos após seu nascimento, o “Buda”,
ou o “iluminado”. Esta terminologia nada mais é, do que fruto das suas
experiências, das suas vivências e das interpretações ele lhes viria a dar. A
própria biografia de Sidharta daria uma bela interpretação sistémica daquilo
que é a existência humana, os vários ciclos de vida pelos quais passamos, etc.
Para alcançar os objetivos propostos
para esta reflexão, podemo-nos debruçar na exploração de dois conceitos
centrais no Budismo e que apesar de não utilizados diretamente na sistémica,
facilmente se perceberá a influência e importância que nela têm. O que nos
importa aqui reter é mais o conteúdo do que propriamente a forma.
Os conceitos de Interdependência
e Vacuidade facilmente cumprirão esse objetivo. Senão vejamos: estes
dois conceitos remetem para dois aspetos da mesma coisa, são conceitos básicos
filosóficos, específicos do Budismo, que remetem para a compreensão dos
fenómenos, que pressupõem a não existência de uma essência sólida nos mesmos,
uma vez que implicam uma interação entre os objetos para que possam se
manifestar. No fundo, subentende-se que a forma como concebemos as coisas não é
a forma real de como as coisas são, ou seja, cada fenómeno altera a sua
condição conforme o contexto em que está inserido no momento. Aqui se encontra
uma das primeiras associações claras: a noção de contexto, que poderá
ser uma interpretação do conceito de interdependência. E não é a noção de
contexto um dos pilares da sistémica?
A existência dos fenómenos é dependente
da relação estabelecida entre os fatores que os compõem; ou seja, o todo
influencia as partes e as partes influenciam o todo. Além de que todos os
fenómenos existem em interdependência uns com os outros.
Esta reflexão sobre o conceito de
Interdependência, Contexto, etc, poderá remeter para um dos termos introduzidos
pelo percursor da sistémica, Gregory Bateson – “o padrão que liga” - que é a meu ver, o conceito mais importante e
mais abrangente dentro desta linha de pensamento. O “padrão que liga” surge da
sua importante obra “Natureza e Espírito”, em que entre tantas outras coisas,
Bateson reflete sobre a influência que todos os fenómenos têm na manifestação
uns dos outros e no facto de ser impossível, um fenómeno existir
independentemente do outro. No Budismo, uma das ideias centrais é esta mesma, o
facto de todas as coisas estarem interligadas e interdependentes umas das
outras; facto também defendido amplamente pela Física Quântica e que muito tem
contribuído para uma compreensão dos fenómenos, quer físicos, quer psíquicos e
até sociais. Ou seja, esta interdependência existe desde o mundo subatómico, ao
mundo biológico a toda a manifestação cosmológica; os átomos influenciam-se,
assim como os organismos, assim como os astros e vice-versa e estas
interinfluências poderiam continuar a ser aqui descritas infinitamente.
Um outro conceito que surge associado
aos anteriores, é o de Impermanência e que remete para a noção de que
“nada é permanente, estático ou constante”; tudo o que existe está em constante
mutação e transformação, logo, a estabilidade é algo utópico. Aqui podemos
remeter para os conceitos sistémicos de entropia
e negentropia, em que a busca de um
funcionamento equilibrado é o objetivo de qualquer fenómeno; nesta busca, a
mutação é constante e inacabada; esta noção pode ser facilmente aplicada ao
campo na experiência humana e do autoconhecimento também.
Na exploração das Quatro Nobres
Verdades do Budismo, podemos também encontrar alguns pontos em comum com a
teoria sistémica e na interpretação que a mesma faz da Experiência Humana,
senão vejamos:
1.
Tudo é sofrimento;
2.
A causa do sofrimento;
3.
A cessação do sofrimento é possível;
4.
O caminho que leva à cessação do
sofrimento.
Numa exploração superficial destas
premissas, podemo-nos focar na reflexão do conceito de “sofrimento”, em que o
Budismo nos diz que o mesmo é inerente à nossa condição humana, uma vez que ao
interpretarmos a realidade, erradamente procuramos satisfação plena em fatores
e elementos exteriores a nós próprios, logo, a felicidade nunca é encontrada na
sua forma mais genuína. Na busca de uma explicação para a causa do sofrimento,
surge o conceito de Ignorância, no sentido da ausência de conhecimento e de
compreensão. Esta ignorância leva a uma interpretação errada da realidade e dos
fenómenos que nos rodeiam, resultando no dito sofrimento; ou seja, o ser
humano, não vivencia nada que não seja imediatamente interpretado, como
positivo ou negativo. Esta interpretação é ainda mais evidente quando a
realidade com que nos deparamos é vivida em função das experiência anteriores.
Esta interpretação da realidade é fruto
de três filtros: as experiências vividas (Karma), as emoções e as tendências
habituais, ou seja, uma certa predisposição para…Não remeterão estas afirmações
para o conceito de realidade múltiplas, tão defendidas na sistémica e tão
fundamentais na compreensão dos fenómenos experienciais? Não remeterá também
para o conceito de Narrativas e da influência inegável destas na compreensão da
Vida?
Como se pode constatar por esta
reflexão, a ciência, como área do conhecimento que tenta compreender os
fenómenos, sejam eles quais forem, em muito tem a ganhar ao abrir seus
horizontes a outros campos do Saber, designadamente ao campo da espiritualidade
e filosofias Orientais.
O Oriente já há milénios que coloca as
mesmas questões que a Ciência Moderna, no Ocidente tem feito nos últimos dois
séculos…não teremos a ganhar em procurar dentro destas tradições algumas das
respostas que julgamos não existirem? O conhecimento objetivo é uma falácia
dentro das áreas que se debruçam do Ser Humano…não estará na altura de mudança
de paradigma?
Por Eneida Cardoso
Junho, 2013
Sem comentários:
Enviar um comentário