Há muitos
anos atrás li um livro que me marcou e que voltei a ler
recentemente, com um novo olhar, que de imediato me transportou para
a realidade diária que vivo enquanto elemento do CTFIS. Este livro é
“O Meu Pé de Laranja-Lima”, de José Mauro de Vasconcellos,
escrito em 1968.
Sem querer
entrar em análises literárias, ficaram-me do livro alguns temas com
os quais nos deparamos na nossa intervenção: exclusão social, mau
trato infantil, parentificação, dificuldades relacionais...e
muitos, muitos mais. Contudo, como em todas as famílias, jovens e
crianças que conhecemos no CTFIS, existe um mundo de potencialidades
nas personagens deste livro, em especial no personagem principal,
Zezé, de apenas 5 anos: curiosidade, criatividade, capacidade de
amar e de construir realidades mais positivas, que lhe permitem
viver. E uma muito importante: resiliência. E na vida desta criança
(fictícia) assim como na vida das muitas (reais) que temos o
privilégio de conhecer e que nos motivam a tentar fazer o melhor que
pudermos para que o mundo à sua volta seja mais protector, existem
figuras com potencial para exercerem um papel significativo e
determinante na sua capacidade futura para superar as adversidades.
Neste livro
esta figura chega na personagem de um “Portuga”, em nada
relacionado com a criança, mas que desempenha um papel marcante na
sua vida. Este “Portuga” pareceu-me muito um “tutor de
resiliência”, conforme vem caracterizado no “Impacto da
violência conjugal sobre crianças e jovens - Guia de Intervenção”
(elaborado pelo CTFIS, entre outros parceiros): “...importa
salientar o papel que o tutor de resiliência tem na capacidade do
menor para superar as suas dificuldades e poder desenvolver uma vida
agradável. Este é quase sempre uma pessoa adulta que se cruza com a
criança e que assume para ele um significado de modelo de
identidade, alguém que o faz questionar a sua existência e o ajuda
a construir um ideal melhor e expectativas pessoais para o seu
futuro. O tutor pode ser um profissional (e.g., professor, médico,
etc.) ou não profissional (e.g., um amigo de família, um tio ou
tia, um primo, um vizinho, etc.) e pode supor uma relação estável
e duradoura ou um mero encontro significativo que proporcione um
apoio ou uma inspiração cuja influência determina a sua
trajectória e decisões vitais.”
Mesmo no fim
do livro, diz o autor “ Hoje tenho 48 anos e às vezes na minha
saudade eu tenho impressão que continuo criança. Que você a
qualquer momento vai-me aparecer trazendo figurinhas de artista de
cinema ou mais bolas de gude. Foi você, quem me ensinou a ternura da
vida, meu Portuga querido. Hoje sou eu que tento distribuir as bolas
e as figurinhas, porque a vida sem ternura não é lá grande coisa”